Bom dia caro Leitor,
O
desporto é o reflexo da sociedade em que estamos inseridos. No contexto social
de hoje, onde o imediatismo predomina, muitas são as vezes em que utilizamos a
palavra “talento” para classificar um individuo que demonstra um conjunto de
aptidões para o desenvolvimento de uma atividade especifica. A própria
sociedade parte em busca desse talento – vejamos por exemplo, os mais diversos
programas de “caça talentos” que encontramos nos écrans da televisão – querendo
que o mesmo seja de rápida identificação, pois a cultura do “aqui e agora” não
permite esperas.
Vivemos,
portanto, num contexto de procura por um resultado rápido e de uma orientação
motivacional que também nos leva nesse sentido, onde o fator tempo nem sempre é
respeitado como deveria ser. Será que essa pressa não poderá condicionar o desenvolvimento
do talento, ou mesmo precipitar a sua identificação?
Direcionando
a atenção para o contexto desportivo, percebe-se desde logo, que esta atividade
torna-se num reflexo de representação da sociedade em geral. Encontramos por
vezes nas páginas dos jornais, crianças (de 8/10 anos) a serem alvo de
destaque, tendo como manchete “O novo Messi”, ou como sendo uma garantia de
futuro para o clube, onde com a idade que tem, ainda deveria apenas estar a
brincar á modalidade, que de facto tanto adora.
Outro
aspeto a ter em consideração é a origem do talento. Será inato? Será
desenvolvido mediante um conjunto de fatores em que o contexto e as suas
condições também terão de entrar nesta equação?
E
em relação ao tempo. Devemos partir em busca do talento e rotular desde cedo os
mais aptos? Ou permitir o máximo de exposição á prática por parte da criança?
Qual
o papel dos diferentes agentes desportivos, como treinadores, pais e dirigentes
neste processo de identificação e desenvolvimento do talento?
Vamos então debruçarmo-nos sobre o tema.
O Talento
Coyle (2012), num dos seus livros sobre a temática
associada ao talento, destaca um fator que na atualidade é consensual para o
desenvolvimento do talento – A motivação. Referindo que o talento começa em pequenos e poderosos encontros que
estimulam a motivação e vinculam a nossa identidade a uma pessoa ou grupo de
alto desempenho. Isso é chamado de ignição, e consiste num minúsculo pensamento
de mudança do mundo e que ilumina a nossa mente inconsciente dizendo-nos: eu
poderia ser eles.
Este momento de pertença por parte do individuo ao
contexto onde está inserido e a correta perceção das suas habilidades, indicam
que poderá então caracterizar-se como a tal ignição que promoverá uma visão de
futuro e um compromisso ajustado com o nível de exigência necessário para que o
talento se desenvolva.
Porém esta visão do individuo como ser biopsicossocial,
onde as suas habilidades são resultado das suas características biológicas,mas
também das suas capacidades psicológicas e sociais - Isto é, a relação entre o
individuo e todo o contexto onde está inserido – nem sempre esteve presente nos
estudos que se fizeram no decorrer do tempo.
Vamos então perceber como foi a evolução do pensamento sobre tema...
Recorrendo
a uma breve pesquisa sobre a palavra “talento”, pode perceber-se que esta
palavra tem origem na Grécia antiga, sendo uma palavra para designar uma
unidade de moeda. Á posteriori foi integrado no sistema monetário romano, sendo
esta composta de ouro ou prata. Ou seja, esta palavra sempre esteve associada a valor, a algo
distinto e com substrato de significância, mantendo sempre consistente este
significado que desde a Grécia Antiga lhe foi atribuído.
Já no decorrer do Sec. XX, entre as décadas de 50 a 70, o talento era identificado e justificado pela grande influencia da genética, favorecendo exclusivamente as determinantes biológicas, Esta linha de pensamento veio a concluir-se como ineficaz,
pois este fator não permitia predizer com a precisão desejada que os atletas no
futuro obteriam desempenhos de destaque.
O
final do seculo XX constituiu uma mudança de paradigma no que ao estudo e
aplicação de programas de deteção de talento diz respeito. Deixou-se de parte a
exclusividade do fator hereditário, onde o talento era considerado inato e
começou a considerar-se o fator “contexto”. O contexto onde ocorre a exposição
da prática, sendo este essencial para o desenvolvimento da performance do
individuo.
Neste período já percebemos a lógica do desenvolvimento, da evolução, da importância dos
programas de treino e de todo o contexto ambiental que está como base no
desenvolvimento do talento.
Mais do que negar a existência de eventuais
influências genéticas, destacava-se, nesta fase, um papel determinante para o contexto onde
ocorre o desenvolvimento para explicar as diferenças intra-individuais no
desempenho.Esta linha de pensamento foi decisiva na forma como se passou a perceber e conceber o talento, sendo que as variáveis, contexto (treino e prática), social (influência de pais, treinadores, colegas, entre outros) e psicológica (ex. tipo de motivação), ganharam claro destaque nesta temática.
Após esta breve viagem sobre as linhas de pensamento traçadas no decorrer do tempo vamos a algumas questões práticas que estão associadas ao talento, nos nossos contextos de atuação prática
Talento: Inato ou Adquirido
Para começar, destaco a frase de Garganta (2006) , cada individuo é diferente dos demais, sobretudo
na forma como responde aos processos de formação. Ao acreditar-se no inatismo
do talento põe-se em causa o papel da aprendizagem, do treino e da capacidade
transformadora que, por definição, os qualifica.
Vamos então colocar isto na prática. Apesar da objetividade da frase, nem tudo o que se encontra cientificamente validado tem o devido transfere para
o contexto prático nas atividades que realizamos. Por isso, no contexto
desportivo, ainda é muito usual ouvirmos de treinadores, dirigentes e demais
agentes expressões como “O talento? Ou tem ou não tem.”. Conduzindo-nos de novo
para as décadas de 50 a 70. Todo este pensamento base irá sem dúvida
influenciar a qualidade de exposição da criança á pratica desportiva, bem como
na sua motivação, confiança e compromisso, colocando-os precocemente com o rótulo do mais ou menos
apto.
Esta linha desajustada de pensamento pode fazer com que muitos jogadores ou
candidatos a jogadores vejam as suas possibilidades comprometidas ou reduzidas
quando os treinadores não lhes reconhecem talento suficiente e não apostam
confiadamente neles.
O Fator Tempo
Vivemos
numa sociedade com pressa de resultado, de rotular e categorizar elementos
essencialmente ligados ao sucesso, não só no desporto como em outra qualquer área
de atividade. Será esta pressa propulsora ou limitadora no que concebe o
desenvolvimento e exposição adequada da criança em contexto de treino?
Vamos de novo ao pensamento de Garganta
(2009), que refere que numerosos programas de deteção de talentos, baseados na
ideia de que as competências para jogar consistem na presença ou ausência de
determinados atributos inatos ou aptidões naturais, esgotam-se no esforço de
identificação precoce dos mais capazes, na esperança de que os melhores de hoje
sejam também os mais aptos no futuro. Tais práticas têm levado a que, não raras
vezes, se negligencie o processo essencial de desenvolvimento dos praticantes
ao longo da sua vida desportiva.
O que poderemos e retirar daqui? Sem duvida que esta é uma abordagem considerada imutável,
desacreditando-se nas respetivas possibilidades de evolução e menoriza-se a
importância da imprescindível atualização de habilidades e competências através
do processo de formação.
Com
esta rotulagem, os considerados mais aptos terão consequentemente acesso a uma
estimulação superior, influenciando também os seus níveis de motivação
compromisso e confiança.
Cada individuo tem a sua individualidade e
deveremos ter isso em consideração, pois a função dos treinadores é ter perceber
os conteúdos dos modelos teóricos em cima enaltecidos. Enriquecendo o contexto
e as tarefas, de modo a que a exposição á pratica seja o mais rica possível.
Sempre com o fator tempo como base.
Desenvolvimento do Talento
Enriquecer
o contexto de prática com conteúdos e tarefas que favoreçam a evolução do
atleta, tendo em consideração a linha do tempo e o princípio da
individualidade. Onde a qualidade de conteúdos promovam no atleta uma exposição enriquecedora, ajudando no seu processo de crescimento com algumas competências essenciais ao desenvolvimento do talento.
Competência - Assimilação e acomodação de padrões comportamentais que permita ao atleta desenvolver a sua percepção de competência e habilidades para fazer face aos estímulos do jogo… o tal aprender o jogo, aprender a jogar.
Autonomia - Indicar caminhos mas essencialmente expor o atleta numa busca pelas tomadas de decisão mais eficazes para aquilo que o contexto pede no momento.
Relacionamento - Promoção de habilidades de integração, adaptação e envolvimento humano dentro do contexto desportivo.
Falamos
então do enriquecimento do contexto que envolve as várias áreas do treino,
sendo esta capacidade de desenvolvimento de habilidades estimulada por um
conjunto de técnicos que, planeiam, avaliam e monitorizam o processo de treino.
Numa abordagem que deve ser multidisciplinar.
Caro Leitor,
Até Breve
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