Acerca desta reflexão sobre a
equipa do FC. Porto devo tomar desde logo esta nota prévia. Toda a análise
desenvolvida tem em consideração a minha opinião pessoal vista de uma forma
dissociada, ou seja, não estando no contexto, não vendo os treinos e não
conhecendo o dia a dia de trabalho desta equipa. Porém, será sempre uma análise
vista com a minha lente… aquela lente que me leva sempre para a minha
profissão, a Psicologia do Desporto.
O início de época garantidamente
que terá sido um desafio para a estrutura técnica da equipa. Sérgio Conceição
foi recebendo os atletas a conta gotas, numa fase onde o foco do trabalho já
deve estar na aquisição do modelo de jogo, em conhecer os atletas e ajustar os
papeis que cada um iria ter, àquilo que o treinador pretende para a sua equipa
e ao mesmo tempo passar os valores, regras e princípios que assentam um
balneário fortemente liderado pelo seu traço de personalidade vincado.
Chegaram a conta gotas, mas
chegaram com rótulo de qualidade. É inegável olhar para os exemplos de Nakajima,
Luiz Dias, Uribe e Marchesin e não ver nesses elementos ativos influentes e
diretos no desenvolvimento deste FC. Porto versão 2019/2020. Porém é necessário
tempo, aquele tempo que quase nunca existe em contexto desportivo. Como diz o
próprio Sérgio Conceição, o projeto desportivo são os resultado e se
orientarmos as nossas motivações para esse aspeto, claro que o fator tempo é
uma das variáveis mais voláteis.
Com esta chegada gradual dos
novos elementos de repente esta equipa estava já a enfrentar uma realidade de
pré-eliminatória da Champions. Jogos decisivos para a época quer a nível
desportivo quer financeiro.
Chegaram com condições ideais
para produzirem o máximo do seu potencial? Claro que não, porém um primeiro
jogo estrategicamente eficaz, onde a equipa se apresentou equilibrada e dominou
os ritmos e momentos de jogo, onde Baró foi importante na dinâmica coletiva do
FC. Porto, onde Marchesin começou a demonstrar enorme capacidade, proporcionou
um resultado positivo e uma exibição, que apesar de não ser exuberante, foi
consistente.
Não era isso que se pedia para uma equipa a
conta gotas? Plano de jogo, estratégia
de acordo com as ideias de Sérgio e o equilíbrio emocional que um jogo destes
exige. Vem o segundo jogo, este após um desaire para o campeonato, onde a
equipa demonstra o que me parece o principal ponto de preocupação, no meio de
muitos pontos positivos… a variância entre o bom e o mau em pouco tempo. Esta
flutuação comportamental que na minha perspetiva muito tem a ver com a
flutuação emocional que a equipa vive permanentemente. É nesta base que vou
destacar alguns pontos que considero características do FC. Porto e que na
minha perspetiva, tendo como princípios as bases da Psicologia do Desporto são,
ao dia de hoje, as suas forças e debilidades.
FORÇAS:
·
Capacidade de pressão após perda da bola. E
dizem-me vocês, “mas este é um indicador tático”. Pois lá está, a parte visível
sim, mas integrado nesse princípio estão os fatores de alinhamento da equipa
perante as ideias do treinador independentemente do contexto e (em certo
momento) as orientações motivacionais da equipa. Que não ajusta o comportamento
(possível relaxamento) ao desafio que tem pela frente. E isto revela muito
daquilo em que esta equipa vive… identidade, princípios, intensidade e
resiliência;
·
Por falar em resiliência, a tal capacidade de a
equipa saber ultrapassar as adversidades que vão surgindo no percurso não
deixando que a sua própria percepção de competência seja beliscada após algum
desaire. Esta equipa sabe o que tem de fazer, como tem de fazer e direciona a
sua atenção para isso. Os resultados podem ser melhores ou piores, sem que isso
afete significativamente a estima que a equipa e o seu líder têm perante os
seus princípios de jogo e tarefas. Temos o exemplo do jogo do Benfica, onde a
aplicação do plano de jogo foi eficaz, mesmo após um desaire daqueles no jogo
frente ao Krasnodar. Para não irmos muito longe, temos também o exemplo do jogo
frente ao Portimonense. A equipa abanou após os golos sofridos? Claro! Saiu dos
princípios e correu riscos? Claro!! Podia ter perdido? Sim! Mas demonstra
crença, e energia positiva quando falamos em aspetos de resiliência;
·
O coletivo como prioritário. Pode gostar-se mais
ou menos do estilo de liderança de Conceição. No entanto, a sua coerência no
que diz respeito à defesa dos objetivos coletivos como sendo fator prioritário
para o sucesso é inegável. Que o diga Nakajima, após o relaxe associado às suas
tarefas defensivas no último jogo em Portimão (pode questionar-se a forma, mas
nunca o seu principio e fim). Esta defesa do coletivo como expoente máximo para
que os objetivos individuais de cada atleta também sejam atingidos, é um dos
princípios de atuação do líder e que em muito ajudam a alinhar a equipa.
·
O conhecimento da forma/caminho (goste-se ou
não) para atingir o que a equipa procura e ambiciona. Identidade definida,
modelo de jogo claro, onde todos jogadores apresentam papeis claros e objetivos
e onde as regras e valores que o treinador defende são inegociáveis. Ou seja, a
informação está la (com maior ou menor participação dos atletas nestes
conteúdos) e é conhecida por todos. Esta clarificação faz com que o foco está
para lá do resultado…. Todo o processo é claro, limitando duvidas e aumentando
certezas.
Fraquezas:
·
Apagões dentro do mesmo contexto competitivo. Ou
seja, no mesmo jogo a equipa oscila entre o melhor e o pior. Vejamos no último
jogo em Portimão. Primeiros 60 minutos com pressão após perda, posicionamento
da equipa no campo todo, recuperações de bola em zonas altas do terreno o que
provocou claras dificuldades ao adversário na saída e em ter bola em zonas
avançadas. Apesar de apresentar um cenário favorável a equipa não olha para o
meio ambiente (jogo e historia do jogo) mas sim para os seus processos e as
suas tarefas e isto sim, crias condições para que se apliquem os aspetos que em
cima referi. Porto a asfixiar e a acabar asfixiado. Com o decorrer da segunda
parte vê-se um Porto a baixar um pouco as linhas e, de forma aparentemente
involuntária permite que o Portimonense tenha bola em zonas que não estava
habituado a ter. Isto cria logo sensações de conforto numa equipa e desconforto
noutra…. Quanto a mim não foi a entrada de Naka que alterou tudo… mas sim o
novo comportamento do FC. Porto, que talvez devido ao conforto do resultado,
foi perdendo o controlo do jogo… baixando a ativação e deixando os seus
princípios de novo. Ou seja, começou a olhar para o contexto e com um desafio que,
como não estava desafiante, deixou-se
adormecer.
·
Incapacidade de evolução de variáveis frequentemente
identificadas. O ponto que em cima referi já fora identificado em várias
situações. Esta época em Barcelos, ou mesmo, a época passada em jogos como
contra o Belensenses, Guimarães e Rio Ave. Refletir, perceber as causas e
discutir e alinhar soluções são a base de evolução de uma qualquer equipa;
·
A regulação emocional do treinador. Se
pretendemos uma equipa regulada emocionalmente, temos enquanto treinadores de
estar também regulados. Disponibilizando sempre momentos e feedback que tenham
como base ajudar o atleta a desenvolver e expor o seu talento dentro de jogo.
Temos assistido a momentos em que parece que esta equipa está ligada à ficha
emocionalmente, variando entre estados de bloqueio (o que fazer e como???? Após
o empate do Portimonense) a estados de euforia (jogo feito e algum relaxe na
aplicação das tarefas). Importante perceber-se a influencia que o treinador tem
neste processo e que comportamentos tem feito para potenciar ou limitar esta
variável.
Sem dúvida que as
características desta equipa são singulares, vincadas e facilmente percebidas.
O Porto apresenta comportamentos distintos em campo, onde dificilmente alguma
outra equipa conseguirá contrariar, pelo menos a nível nacional. É no prolongar
dos períodos de tempo destes momentos de eficácia que estará a base de evolução
do Fc. Porto 2019-2020. É aqui que entram os fatores motivacionais e emocionais
que influenciam a aplicação do plano de jogo e é na reflexão e treino destas
habilidades que estará a base para o aumento de consistência desta equipa no
decorrer da época desportiva.
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