Bom dia, caro Leitor!
No decorrer desta semana, passou-me pelo ecrã do telemóvel uma entrevista brilhante de Xavi Hernandez (ex. jogador do FC. Barcelona), onde destaco apenas algumas citações:
- "Tens de melhorar a tua inteligência de jogo e focar-te no talento. Tudo depende dos treinadores, obviamente. Mas hoje, nas sessões de treino, há 60% de treino físico e 40% dedicado á parte técnica. 0% do tempo é dedicado ao pensamento do jogo, á sua interpretação. Não podes entrar num campo de futebol apenas com motivação , como "VAMOS!". Isso ajuda, mas não é tudo;
- O que faz a diferença no futebol hoje em dia? O talento! E o que é o talento? É a possibilidade de controlares o que fazes e o que os outros fazem, porque jogas com a cabeça e não exclusivamente com os pés;
- Eu sempre tive a vontade, a curiosidade, para entender o que está a acontecer em campo. "Porquê? Como? Onde? estas são as perguntas com que eu me questiono constantemente e continuarei a fazê-lo quando me tornar treinador. Há jogadores profissionais que não entendem o que está a acontecer em campo, simplesmente porque não foram treinados para desenvolver o seu talento, para pensar sobre o que está a acontecer com eles;
- A mente é a coisa mais importante para trabalhar no futuro do futebol.
Depois de ler a entrevista deste extraordinário atleta, muito pensei e refleti sobre o seu conteúdo. Mexeu de facto comigo perceber que os conteúdos que procuramos sensibilizar, educar e consolidar têm destaque em referencias como Xavi.
O tempo da análise objetiva ao jogo, onde a estatística tem lugar de destaque, tende a apresentar um peso cada vez mais ténue ou equilibrado com a análise subjetiva, ou seja, a análise que provém da situação, do cenário, do contexto especifico em que a ação decorreu. Ora vejamos um exemplo. Um atleta que faz um passe fácil, sem oposição, no seu meio campo e a análise estatística conta como passe eficaz. Outro atleta na mesma posição após observar rapidamente o contexto, coloca um passe em rotura para a entrada da área. No limite o adversário cortou a bola. A estatística analisa como passe errado. Será que foi de facto uma ação negativa? Será que dentro do contexto, não foi uma boa tomada de decisão?
Um exemplo coletivo. No Sábado desloquei-me ao Estádio do Dragão para ver o Derbi da Invicta. Após a derrota com o Paços de Ferreira, vimos um FC. Porto com a perceção de competência optimizada, com atitude desafiadora (Altos Níveis de energia positiva), fazendo notar que o acontecimento da semana anterior não beliscou a estabilidade emocional da equipa. Foram 10min de Bloco alto, intensidade na recuperação de bola e muito jogo no ultimo terço do terreno adversário... conclusão 1 golo e vantagem no marcador.
Com o cenário de vantagem, o contexto situacional altera, a história do jogo altera e o FC. Porto modificou-se com essa mudança situacional. O bloco continuava alto, no entanto, perdera intensidade no condicionamento ás saídas com posse do Boavista. Com posse o futebol dos azuis também perdeu dinâmica, mais lentidão nas tomadas de decisão o que fez com que as dificuldades em criar desequilíbrios fosse maior. Essa lentidão também concluiu em mais perdas de bola.
Será que o alcançar de um golo cedo, fez baixar os índices activação da equipa, tornando-a mais lenta e previsível na aplicação do plano de jogo? Será que a adaptação a esta contexto situacional foi eficaz? São estas análises ao contexto, que farão a diferença no futuro. Este levantar de questões a situações não objetivas, mas que se observam, que se avaliam e que se treinam! Porque o jogo tem um conjunto de ações situacionais que não podem ser interpretadas apenas pelos números e a exatidão das estatísticas. Muito do desporto passa por decisões e uma decisão num contexto (vantagem) é sempre diferente de uma decisão noutro contexto (desvantagem).
Vá... mais uma vez já me espalhei ao comprido neste tema que dava para vários artigos.
Para chegarmos ao patamar que Xavi Hernandez chegou, temos todo um percurso de formação desportiva, onde temos de ter sempre a noção central de que a formação desportiva tem como responsabilidade formar o atleta em duas vertentes:
- Instrumental - Aprendizagem e consolidação das habilidades fundamentais e especificas da modalidade que o atleta pratica. As capacidades técnicas e táticas do jogo.
- Sociemocional - Corresponde á construção de valores individuais e sociais, hábitos de cidadania e suporte ao crescimento do atleta enquanto ser humano
Neste processo de construção das variáveis instrumental e socioemocional, o treinador de facto assume um lugar de destaque, devendo assumir o papel de referencia em todo este processo de crescimento do atleta, sendo esse processo de formação dividido em três estádios essenciais:
- Fase de Iniciação - Corresponde á entrada do atleta/praticante na modalidade. Caracteriza-se por ser uma fase de grande entusiasmo em que o principal objetivo é o consumo de energia, diversão e conhecer os estímulos da modalidade;
- Fase de Desenvolvimento: Aqui o atleta já começa a definir algumas metas, quer aprender a modalidade e ser melhor no que faz. Vontade de evoluir.
- Fase de especialização - Nesta fase o atleta já se encontra a consolidar comportamentos associados ás quatro áreas do treino: físico, técnico, tático e psicológico. Quer permitam ser a sua base de sustentabilidade de confronto com o treino e a competição.
Como disse anteriormente, para estes três estádios o treinador assume o papel de formador, antecipando, direcionando e dando suporte ao crescimento diário do atleta na modalidade. Porém, sabemos que, para as crianças os pais são a influência mais importante dos jovens no que diz respeito ao seu envolvimento com a prática desportiva. Se os pais apresentam essa destaque determinante para a construção do seu filho como atleta, torna-se essencial sensibilizar e educar para que percebam qual o seu papel e como podem ser uma influência positiva na evolução dos filhos.
Sabemos que o desporto gera emoções. Se associarmos isso á relação afetiva que os pais nutrem pelos seus próprios filhos, acaba por ser fácil concluir que em algumas situações o comportamento dos pais não é nada favorável a um crescimento sustentado e positivo para os seus filhos.
- Pais a oferecerem bens materiais por objetivos de resultado (por cada golo marcado recebes X);
- Pais a darem instruções aos filhos num desconto de tempo;
- Pais a criticarem o treinador na presença dos filhos;
- Pais a utilizarem como pergunta principal para os filhos "Ganhaste?" ao invés de "Divertiste-te?"
- Pais a criticarem as opções do treinador por ter tirado o filho e colocar um colega seu;
- Pais a criticarem os colegas dos filhos;
- Pais a sobrevalorizarem as capacidades dos seus filhos ou a subvalorizarem;
Como rapidamente podemos perceber, este tipo de comportamentos promove uma consolidação de uma orientação para o resultado, para o ganhar e perder, para a comparação, para um elevar demasiado de expectativas em torno do filho. Tornando-se num processo instável a nível emocional, não contribuindo para um desenvolvimento efetivo e positivo da criança enquanto atleta.
Muitos são os estudos desenvolvidos nesta área, sendo algumas das conclusões transversais a todos eles:
- Os pais são a influência mais importante dos jovens no que respeita ao envolvimento na prática desportiva;
- Para os jovens, os pais são os adultos mais determinantes na formação das suas atitudes, quanto á importância que atribuem á vitória, em comparação com o valor que atribuem á melhoria do desempenho das tarefas desportivas;
- A maior fonte de stress do atleta jovem deve-se ao medo de falhar. Devido á demasiada importância que os pais atribuem ao fator resultado;
- Os jovens atletas sentem um maior prazer na pratica desportiva quando percepcionam que os pais têm reações positiva ás suas prestações, independentemente dos resultados óbtidos.
Perante estas conclusões, qual o papel dos pais no desporto e que funções poderão desempenhar para promover um crescimento e evolução eficaz dos seus filhos? Vamos dividir o papel dos pais pelos três estádios de formação desportiva:
Fase de Iniciação:
- Partilhar o entusiasmo com os filhos. Praticando fora do horário de treino e ouvindo as suas primeiras experiencias;
- Interessar-se pela modalidade. Partilhar momentos que envolvam a modalidade, como por exemplo ir ver um jogo de referencia;
- Dar o apoio necessário para a pratica. Como deslocações e material;
- Não pressionar no que diz respeito aos resultados. Valorizar a prática e os pequenos aspetos visíveis de evolução.
Fase de Desenvolvimento:
- Fazer sacrifícios pessoais para facilitar a atividade. Como fazer longas viagens para facilitar a participação do filho num torneio;
- Condicionar a própria vida em função das exigências da prática desportiva do filho. Ter como um fator prioritário na agenda dos pais... um evento desportivo do filho;
- Fazer investimentos financeiros necessários para promover a evolução do filho em contexto de treino e competição.
Fase de Especialização:
- Apresentam uma interferência reduzida na vida desportiva dos filhos. Aqui o processo já é autónomo por parte do atleta;
- Fornecem o necessário apoio psicológico quando necessário. Sendo este apenas de suporte e apoio social;
- Continuam a constituir uma reserva quanto ao apoio financeiro.
Para que o processo de crescimento do atleta e das equipas em contexto formativo seja favorável, temos de ter sempre em consideração a relação que a instituição e os treinadores desenvolvem perante os pais. Temos de ter sempre como base que eles são um processo ativo no crescimento do atletas, apresentando-se muitas vezes como facilitadores. Logo uma palavra tem de se destacar perante este contexto. Integração. Os pais devem ser integrados no contexto que envolve o clube.
Vamos então destacar os princípios que devem ser mantidos na relação Clube/Treinador - Pais:
- Formar os Pais: Ajustar a tendência dos pais para hipervalorizar as características e prestações dos seus filhos perante os restantes;
- Informar os Pais: Sobre a atividade dos filhos, desde horários, programas, metodolodias e evolução do mesmo na modalidade;
- Envolver os Pais: Tornando-os interessados nas atividades dos filhos, estimulando para a presença a sua presença no processo. sensibilizar para a colaboração em tarefas logísticas ou referentes á organização de atividadades no clube;
- Valorizar os Pais: Tanto nas suas qualidades pessoais, tão importantes no processo de formação dos atletas, como no papel que representam no âmbito da prática desportiva dos filhos, promovendo-lhe responsabilidade nesse processo;
- Alertar para os efeitos da sobrevalorização dos resultados: Que pode provocar reações emocionais negativas ou mesmo o abandono;
- Reforçar as atitudes positivas do pais: Fomentar e educar para uma "educação pela positiva"
- Fomentar a Comunicação Direta: Contactos pessoais nos treinos, competições ou situações informais, ou marcação de reuniões com os pais. Sempre com o objetivo de facilitar o conhecimento mutuo no que diz respeito ás expectativas dos pais e do clube/treinador discutir questões de carácter geral respeitantes á atividade desportiva dos filhos ou para a resolução de situações especificas.
Considerações Finais: Com este artigo procurei transmitir sobre a importância e o destaque que os pais apresentam na construção do seu filho no contexto desportivo. Assumindo o papel de maior influência em todo o processo de crescimento. Para que tal decorra de forma sustentada e positiva, é essencial que os pais percebam qual o seu papel e principais funções em cada estádio de participação em que o filho se encontra. Sendo para isso determinante que o clube os envolvam e os treinadores apresentem uma relação aberta, informativa e objetiva com os mesmos. Tendo como objetivo prioritário as crianças e o seu desenvolvimento positivo e sustentado. Porque o processo de formação apresenta a aprendizagem e consolidação de habilidades instrumentais... mas também de habilidades socioemocionais!
Caro leitor.
Até breve!
Versão Áudio:
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