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Mundial Russia 2018 - Apontamentos Gerais: Portugal-Irão






Enquadramento:

Um jogo de decisões! E sabemos bem a carga emocional que está presente quando as duas equipas que estão dentro das quatro linhas têm pela frente o alcance do primeiro objetivo (no caso de Portugal), ou o alcance de um sonho (no caso do Irão). Portugal acima de tudo teria de garantir um resultado que lhe permitisse passar ás fases a eliminar deste torneio. Transformando isto em pragmatismo, um empate ou uma vitória seria o necessário para continuarmos o nosso trajeto na prova de maior destaque planetário no que ao futebol diz respeito. Já o Irão teria pela frente o sonho, um sonho ali tão próximo. E aqui acrescento, não apenas um sonho da sua Federação, mas sim uma demonstração de representação cultural e patriota de um pais de tão sólidos e particulares costumes. 

Vamos aproximarmo-nos da relva e perceber o que o jogo nos poderia trazer? Um Irão muito sólido no seu momento defensivo, a não pressionar no momento da perda e a aproveitar a velocidade dos seus alas para saírem em contra-ataque sempre que fosse possível. Sabemos que comportamentalmente procurariam comportamentos de superação e jogariam no limite, procurando tirar proveito de todas as variáveis que envolvem um jogo (atentem aos mind games pré-match do seu selecionador. 

Quanto á nossa seleção, hoje era o jogo em que saberíamos que a bola estaria mais nos nossos pés. Teríamos de saber o que fazer com ela, de a circular e explorar os corredores laterais. As dificuldades que tivemos na primeira zona de construção não deveriam surgir neste jogo devido á ausência de pressão nessa zona por parte do adversário. Acima de tudo é um jogo de controlo emocional, estabilidade e conforto no momento ofensivo. Perante um momento defensivo solido e baixo como o do Irão, é essencial manter o pensamento sempre no plano de jogo e não começar a precipitar no momento de definir.

Quaresma titular… para promover 1x1, cruzamentos e jogo lateral

Adrien titular… dar maior rotação e intensidade na circulação de bola

André Silva… dar mais presença na área e para mim um aspeto importante, promover maior mobilidade entre linhas e segurar e dar bola (essencialmente para os corredores laterais… com movimentação para o meio).

O jogo do sonho de um país como o Irão vs o alcance de um objetivo obrigatório de Portugal



O que vi eu, em traços gerais?

  • As duas equipas a entrarem de acordo com a identidade e estratégia para o jogo. Um Irão num momento defensivo solido mas muito instável. Alguma ansiedade devido á carga do jogo. Foi normal nesta fase inicial do jogo observar erros não forçados (como os do seu Guarda-redes) e ações de algum conflito comunicacional entre a equipa. Com este cenário Portugal instalou-se no meio campo do adversário, sentiu-se confortável com bola… circulou… alimentou as laterais… surgiram cruzamentos e bola no ultimo terço com bastante frequência. Portugal estava confortável e dominava esta fase do jogo.

  • Ajuste na equipa do Irão, com a marcação individual a William que provocou bastante instabilidade no primeiro momento de construção de Portugal. Começamos a ter bolas perdidas na primeira fase de construção, a ter bola menos tempo e a deixar de circular com qualidade. No fundo, perdemos bola e deixámos o adversário crescer com essas perdas, aproveitar alguns desequilíbrios provocados por nós próprios (William a baixar muito devido á marcação e a perdermos linhas de passe em profundidade). A equipa sentiu dificuldade em adaptar-se á mudança e começou a baixar os seus níveis de confiança no processo.

  • Quando já se pedia o intervalo, para avaliarmos a primeira parte e ajustarmos o plano para a segunda eis que surge o que nos faz vibrar com o futebol! A arte, o talento, a criatividade, a imprevisibilidade. Não ao alcance de todos, mas ao alcance dos três dedos de Quaresma em forma de trivela! Que grande golo Ricardo… já nos habituaste tantas vezes a momentos destes, mas é sempre um gosto poder vivê-los de novo. Um golo em forma de talento… esse talento cada vez mais neutralizado pelas amarras estratégicas de uma sociedade de resultados imediatistas. É bom ver momentos destes num mundial… mas também é bom que se permitam momentos destes na formação desportiva!

  • Segunda parte muito próxima do registo da primeira até ao momento do penalti. Portugal tinha nos pés de Ronaldo a possibilidade de colocar um ponto final no jogo, mas desta vez não converteu e o jogo mudou.

  • Portugal foi encolhendo com o aumento de intensidade e agressividade do Irão. 

  • O Irão que jogou tudo o que tinha… de todas as formas. Pressão perante as tomadas de decisão do árbitro. Abordagens sempre no limite e uma enorme sentimento de pertença num pais e na possibilidade de os seus atletas fazerem história em nome da pátria.

  • Portugal foi encolhendo perante um clima de adversidade total, bem preparado pelo selecionador do Irão. Reparem, desde o comportamento de todos os atletas no banco… ao abandono do selecionador no penalti e ao permanente incitar através de gestos um publico tremendamente ruidoso.

  • Era necessário que Portugal se abstraísse de todo esse ruido provocado pelo adversário, mas tal não se verificou. A equipa encolheu, deixou de conseguir ter a circulação antes verificada e deixou-se levar pelo contexto emocional presente no jogo (o amarelo do Quaresma é exemplo disso e as perdas nos duelos diretos e segundas bolas também).

  • Com este cenário surge Pepe. Um atleta que cresce em momentos de adversidade. Que está totalmente identificado com o país. Que canta o hino como um de nós e que naquele momento controlou a organização (com permanentes feedbacks) e as abordagens na sua zona de ação. Imperial!

  • Sofremos golo nos descontos e não controlámos em nada os minutos finais. Não conseguimos colocar o jogo no meio campo adversário e ter a estabilidade necessária para controlar o cenário de manutenção da vantagem. Perdemo-nos… sofremos, mas a nível comportamental fomos exemplares.
Que jogo este, difícil, intenso jogado com todas as variáveis possíveis por parte do Irão que esteve perto de conseguir fazer história. 

Quanto a nós, estamos onde temos de estar, nos oitavos-de-final, de um mundial caracterizado pela estratégia… ou seja, não há jogos fáceis no Russia 2018!

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