Boa tarde caro Leitor,
Passado uns dias sem partilhar nada convosco, confesso que já fervilhava esta vontade de escrever e colocar público alguns dos meus pensamentos e ações que só eu e quem trabalha diretamente comigo (atletas e treinadores) é que costumam ter acesso. E que fantástico é este mundo digital por possibilitar esta macro partilha de ideias e informações, parece-me de facto que todos saímos a ganhar, mais competentes e conhecedores, pois o acesso á informação é imenso.
Como disse no meu primeiro artigo sou um verdadeiro apaixonado pelo desporto e pela arte do jogo em si - sim identifico-me mais com o desporto coletivo - pelo jogo, pelas variáveis e pelos padrões comportamentais e as suas adaptações a ele inerentes (com se adapta uma equipa a uma desvantagem - Manterão os comportamentos Grupais? Manterão a orientação na tarefa/plano de jogo?). Pois... temas que poderão ser explorados em artigos futuros.
O desporto actual vive de competitividade, equilíbrio permanente e similares condições de trabalho e conhecimento - Isto claro está, falando num nível profissional - porém ainda há quem atribua causas externas a acontecimentos associados ao jogo - "Ah, porque o meu colega não deu linha de passe", "ah porque a relva não estava em condições."; "Ah porque não estávamos preparados para estas condições meteorológicas"; "Ah não tivemos sorte nos penaltis, mas jogámos bem até lá!". Então mas será que este tipo de atribuições aos acontecimentos são favoráveis à evolução da equipa a que pertencemos? Será que atribuir causas externas não promoverá um défice de análise e consequente perda de algum controlo sobre o processo de melhoria da equipa? Sabemos que causas externas existem, pois as equipas e os seus atletas encontram-se em meios de ação com estímulos que não controlam. Mas não será preferível controlar, através de conteúdos de treino as componentes que dependem de nós para crescermos como equipa?
Penso que neste contexto será sempre preferível substituir a atribuição externa "falta de sorte", ou "azar", por uma questão que altera tudo "o que poderia, ou poderíamos ter feito para estar mais bem preparados naquela situação?
Por isso faço a pergunta do titulo deste artigo a mim mesmo, "Oh Luís, achas que os penaltis são uma questão de sorte ou competência?". Competência. Neste momento, em qualquer realidade competitiva de TOP, as bolas paradas assumem um papel determinante para o resultado final. E para nós como equipa melhorarmos o nosso desempenho nessa fração de jogo, devemos treiná-las, pois "o jogo é o reflexo dos treinos".
De facto estas componentes, são treinadas, mas serão sempre antecipadas de forma correta? Ou damos apenas destaque à ação motora/gesto técnico? Lembremo-nos sempre que o contexto do jogo apresenta variáveis distintas À dos treinos... talvez por isso há atletas que nos treinos marcam 10 penaltis em 10... e nos jogos acabam por não ser eficazes. Bastará então o treino de ação motora para melhorar a performance do atleta nesta fração de jogo?
Como todos os conteúdos de treino, esta fração de jogo - Penalty - não deve fugir à regra. Deverá ser treinado num contexto o mais próximo possível ao da competição, tendo em consideração a aproximação a algumas variáveis psicológicas que o atleta encontrará em jogo:
- resultado do jogo,
- tempo de jogo decorrido,
- fadiga,
- pressão,
- ruido
Tudo variáveis que poderão fazer com que o atleta apresente alterações no seu gesto técnico habitualmente eficaz. Cabe então à equipa técnica, encontrar momentos no treino, de forma integrada para que estes conteúdos apresentem algumas das variáveis que em cima referi e que estarão presentes no jogo.
Em cima salientei alguns aspetos que, em conteúdos de treino, poderão ser integrados num microciclo de preparação que englobe a componente do penalti. Porém este é o lado integrado, o lado onde o profissional de Psicologia do Desporto trabalha com a equipa técnica. Surge aqui a importância de trabalhar individualmente o atleta com o objetivo de disponibilizar ferramentas que aumentem o controlo do próprio na execução. Com o decorrer dos anos de prática com atletas desenvolvi e apliquei uma rotina para esta fração de jogo - Rotina RIFA.
O objetivo da rotina visa optimizar as componentes psicológicas que considero essenciais para o atleta apresentar um rendimento óptimo no momento da execução da ação motora, sendo as mesmas:
- Controlo da Activação (ansiedade/fadiga)
- Auto-Confiança
- Focalização (Atenção/Concentração)
Cada letra da palavra RIFA, corresponde a uma estratégia que o atleta deve executar, para que com a sua aplicação monitorize e optimize as três componentes psicológicas que em cima referi. Assim sendo, as técnicas são:
- R (respirar).
Após a marcação do penalty por parte do arbitro o atleta deve concentrar-se apenas no que controla, direcionando a sua atenção para a rotina. O "R" tem como objetivo que o atleta controle os seus níveis de activação. Geralmente o penalty é um momento de tensão pode provocar alguma ansiedade, sendo essencial que o atleta baixe a frequência cardíaca para um nível óptimo. É sugerível que a inspiração seja mais curta que a expiração - A expiração deve deixar sair o ar de forma mais prolongada (repetir 2 a 4 vezes)
- I (imaginação)
Esta é o momento de trabalhar a autoconfiança, através da visualização mental. Vamos antecipar mentalmente o que pretendemos fazer no penalty... e vamos visualizar com sucesso! Este momento positivo é essencial para equilibrarmos os nossos níveis de autoconfiança. Orientando toda a nossa ação para o sucesso. Fortalecendo as certezas e diminuindo incertezas (questões) que por vezes surgem neste momento.
- F (focalização)
O último momento antes da ação motora. A concentração na sua amplitude, pode considerar-se ampla (quando temos de distribuir a atenção por variados estímulos ao mesmo tempo - Exemplo: Processo defensivo); ou estreita (quando necessitamos apenas de captar apenas um ou dois estímulos numa ação - Exemplo: Penalty). Por isso, trabalhado que está o nosso pensamento (através da imaginação), resta-nos focalizar nos estímulos externos que são importantes, como por exemplo, Bola e Baliza, tornar tudo o resto irrelevante (costumo dar o exemplo... tudo o que não for relevante torna baço e turvo, sem nenhum destaque) e...
- A (Atirar)
Com este trabalho, o atleta terá a capacidade de identificar o seu estado actual, ajustando-o para o nível pretendido, promovendo níveis de confiança e concentração ajustados para a marcação do penalty.
Este trabalho não deverá ser levado como uma receita. Tem como prioridade ser sempre integrado na rotina que cada atleta já apresenta, de forma a que, através do treino, todo o processo seja adquirido e acomodado de uma forma natural e integrada no processo, hábitos e rotinas normais do atleta.
Observações Finais: Com este artigo pretendi esclarecer o leitor sobre a importância que tem atribuir todos os momentos de jogo à nossa competência, sabendo de antemão que os estímulos externos existem. Porém devemos sempre questionar. "O que poderia ter feito naquela situação?" ou "Que mérito tive no facto da bola me ter batido e entrar na baliza". É nesta questão que entram os penáltis, como sendo um momento que ainda é atribuído por muitos á sorte, deixando o acaso decidir. Torna-se importante, num contexto competitivo como o atual, antecipar e treinar as variáveis associadas a esta fração decisiva do jogo, tendo sido minha intenção partilhar um pouco do trabalho do profissional em Psicologia do Desporto em dois âmbitos: Equipa técnica (integrando a fração em momentos específicos do treino) e com Atletas (trabalho de aquisição da rotina RIFA). Estes métodos não são estanques nem receitas predefinidas, devem ser sempre ajustados a cada realidade e cada individuo.
Caro Leitor,
Até Breve!
Comentários
Enviar um comentário